Hoje acordei pela primeira vez, em Coimbra. É verdade, o tempo voou... E agora estou eu aqui, sozinha num T5 duplex (as minhas roommates só chegam hoje).

Já disse isto milhões de vezes, mas parece mesmo que foi ontem que eu estava toda entusiasmada por ir para o Secundário "-Woah, 10º ano, Ciências e Tecnologias!". É ridículo... pensar que eu tinha dúvidas nessa altura quanto ao meu futuro, à minha capacidade de me aguentar, às notas, aos trabalhos, à turma.
Cheguei mesmo a duvidar do curso que escolhera. Deus sabe que o meu 10º ano foi passado a pensar que devia era ter ido para Artes.

E agora estou eu aqui, numa casa, a viver sozinha. Sem os meus pais.
Esses estão, por enquanto, a 50 km de distância, na minha casa (se é que não é esta agora a minha casa). E eu que me desemerde! Com os autocarros, com as refeições, com as anatomias e as bioquímicas. E com a praxe. E com os 255 outros caloiros de Medicina, que devem estar em situações similares à minha e que eu espero desesperadamente que queiram ser meus amigos. Tipo criança de 5 anos que aborda um menino na praia e pergunta-lhe se ele quer brincar com ela.
 
Saudades desses tempos em que fazer amigos era assim ...simples e instantâneo.

Porque é assim que eu me sinto, em parte: uma criança, perdida numa cidade enorme e só meia conhecida. Parece um monstro pronto a engolir-nos.
E ao mesmo tempo, sinto-me incrivelmente crescida, senhora de mim mesma, independente. Cheia de... iniciativa.

E enquanto tento fugir a um passado desagradável de zangas, intrigas e invejas (que todos temos, sejamos honestos) lamento também a sua passagem. Despeço-me, não completamente, dele. 


Mal via a sua silhueta, malditos vidros fumados! Via mais claramente o meu próprio reflexo neles: um sorriso disforme, claramente forçado, tentava disfarçar o  desgosto que se ia esboçando na minha cara. Consegui distinguir, com dificuldade, alguns contornos do rosto que amava. 
O comboio mexeu-se. Ia partir. Senti os olhos encherem-se-me de água. Acenei. A janela avançou, e quando soube que já de nada valia continuar ali, virei-me e deixei escapar duas gordas lágrimas.
Pus-me a mexer. Afinal, também eu tinha um autocarro para apanhar.
 
Não sei o que escrever, confesso. Apenas me apetece escrever, qualquer coisinha, para não te deixar assim abandonado, blog. De qualquer modo, falta pouco para abandonar todos -  e ainda não decidi se é realmente bom para mim fazê-lo.

Digo a mim mesma que sim. Mesmo que não seja bom, é necessário. Inevitável. E por isso, já me conheces, acendo o positivismo que há em mim. Se bem me conheces, sabes também que volta e meia tenho maus-contactos e lá se apaga a centelha de esperança.
Não dura, dou a mim mesma uma murraça e lá se evita uma reparação a sério, desta vez.

...E vou-me entretendo, planeando os detalhes mundanos daquilo que será a minha vida - horários das aulas, dos autocarros, papelada para as matrículas, decorações para o meu quarto, etc... - passo horas a devanear com essas coisas, com as pessoas que hei de conhecer, com o que hei de estudar, com o que hei de viver. Assim impeço-me de pensar no que vou deixar para trás: a antecipação suga o sustento mental à saudade e à nostalgia, qual erva-daninha no meu pensamento. 

Não irei arrancá-la. Afinal, é esta a sua maior utilidade -- toda a gente sabe que estes planos engendrados antes do tempo se desmancham como castelos de cartas à menor brisa, mas enquanto duram povoam-me o cérebro. 

Não completamente. Há sempre um cantinho em que se perfila a imagem de uma despedida dolorosa.
Não te ofendas com a minha aparente indiferença. Guardo a tristeza para quando me for impossível continuar a adiá-la. Virá toda de uma vez, numa vaga gigante. Prometo não me afogar. Prometo manter-nos à tona.